Hospital Universitário Clementino Fraga Filho

Quando devo procurar um psicólogo ?

26 de agosto de 2021 – Não existe uma regra sobre quem deve ou não buscar o auxílio de um profissional mas, segundo especialistas, é possível identificar motivações, apesar de ainda haver resistência da sociedade em aceitar que sofrimento psicológico pode ser trabalhado e amenizado. Alguns sinais podem ajudar a medir quando a dor está além da conta e as emoções precisam se reorganizar para que o indivíduo volte ao equilíbrio.

A terapia não precisa ser um processo apenas para quem está com um problema de saúde mental e pode beneficiar qualquer pessoa, até quem não precisa dela. Consultas com um psicólogo podem ser úteis para aprender novas habilidades para se comunicar melhor, superar a timidez, aprender a gerenciar o estresse ou a lidar melhor com situações pontuais, como o luto ou um divórcio.

Alguns sinais podem ajudar a medir quando o sofrimento psicológico está além da conta e as emoções precisam se reorganizar para que o indivíduo volte ao equilíbrio.

Diante disso, as psicólogas do Serviço de Psicologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho – Natielle Rocha e Cláudia Corrêa – respondem às seguintes perguntas:

Natielle Rocha
– Qual é a definição de sofrimento psicológico?

Para responder a esta pergunta, antes de tudo, deve-se realizar uma reflexão ética, pois o sofrimento psíquico não é um conceito rígido que possa ser generalizado a todos que manifestam essa condição. A posição subjetiva, que cada um ocupa na vida e diante dos conflitos, é o lugar em que o sujeito irá se a ver com sua educação, estrutura de personalidade, aprendizagens, desenvolvimento, defesas psíquicas e, dessa forma, se apresentará o seu sofrimento. Para Freud, em sua obra O mal-estar na civilização, o sofrimento nos ameaça e possui fontes em três vertentes que são o nosso corpo, o mundo externo – que pode voltar-se contra nós com forças de destruição – e, finalmente, os relacionamentos sociais (Freud, 1930/1996i, p. 85).

Essas três direções podem se desmembrar em muitas possibilidades. Por exemplo, em relação ao corpo que é finito e condenado a processos do desenvolvimento como a velhice. Não é possível afirmar como cada um reagirá a essa vivência e nem como e qual estratégia utilizará para amenizar algum sofrimento. Algumas manifestações de sofrimentos psíquicos agrupam um conjunto de características que podem ser englobadas na angústia, ansiedade, depressão e fobias, por exemplo. Em alguns casos, esses grupos de sintomas podem gerar intenso incomodo ao sujeito e levá-los a estágios graves, precisando de intervenção profissional. A identificação de alguns sintomas e de quadros psicopatológicos é importante para profissionais de saúde mental escolherem condutas e abordagens para o tratamento das mesmas. Porém, é imprescindível que o sofrimento psíquico seja considerado inerente ao ser humano, condição dele que permite, em muitos casos, a elaboração e compreensão da realidade, impulso e ação para mudanças e aponta para a capacidade humana de sentir emoções, relacionar-se e considerar o outro.

Há uma resistência da sociedade em aceitar que esse sofrimento pode ser trabalhado e amenizado na terapia. Fale sobre isso.} Há anos as questões de saúde mental foram limitadas à ideia de loucura e a noção desta foi distorcida, imersa em falta de conhecimento e permeada por preconceitos. Os considerados “loucos” eram internados em instituições que visavam não o tratamento e sim a exclusão, os “doentes mentais” eram marginalizados e vistos como sujeitos perigosos para a sociedade. Com o surgimento da constituição em 1988 e a criação do SUS, estudos científicos e a necessidade de respeitar a dignidade dos seres-humanos com os direitos em voga, a questão de saúde mental e sofrimento psíquico foram reformuladas, favorecendo um caminho com menos preconceito. A dualidade “normal e patológico” passou a ser mais relativizada e as duas condições menos opostas, ou seja, o que determina a normalidade não é necessariamente sinônimo de saúde mental e o que determina o patológico não é sinônimo de doente ou louco.

Outro fator importante para diminuir a resistência da sociedade com a importância de procurar ajuda para tratar ou amenizar um sofrimento psicológico foram as discussões em torno do que o capitalismo e a contemporaneidade impõem como felicidade. Tal discussão tem a ver com cada sujeito diminuir a resistência também em aceitar o sofrimento psíquico, afastar-se da ideia de que a vida precisa ser sempre feliz e perfeita, positiva e produtiva, e procurar a ajuda sem se sentir “fraco” por isso, e “louco” como explicado inicialmente.

– Como sei se devo ir ao psicólogo?

Não há impedimentos para ir ao psicólogo em nenhum caso.
Inclusive, em algumas situações, as resistências psíquicas se fazem tão intensas que a pessoa sozinha não consegue perceber a importância de ir ao psicólogo. Freud, em 1915, diz que algumas lacunas são lembranças encobridoras, os atos falhos, sonhos, e os sintomas psíquicos que só podem ser elucidados pela via do inconsciente. Nestes casos, alguém próximo sinaliza a necessidade ou o próprio profissional, nos primeiros atendimentos, irá auxiliar o sujeito a tornar consciente os motivos para a intervenção profissional. O sofrimento, apesar de natural à condição de ser-humano, nem sempre é suportável e superado sem ajuda. Deste modo, quando o sujeito não consegue amenizá-lo com seus recursos psíquicos disponíveis no momento, ir ao psicólogo é uma possibilidade para este objetivo.

Buscar ajuda com profissionais de psicologia pode ser considerada em casos de queixas e situações pontuais como a vivência de um luto independente de qual objeto investido psiquicamente foi perdido, uma pessoa, por morte ou separação, um emprego e por aí vai. Pode ser indicado também em casos de sofrimento de média ou alta complexidade. O psicólogo é capacitado para intervir no tratamento de qualquer condição ou doença, porém, é válido pontuar que existem linhas de abordagens e especialidades diferentes com que os profissionais da área trabalham. Em um primeiro atendimento, o paciente poderá perguntar sobre algumas formas de trabalho e o profissional, caso não esteja disponível para aquele caso, poderá encaminhá-lo para outro.

– E por que falar com um psicólogo e não um amigo ou familiar?

O psicólogo é um profissional que se graduou em uma faculdade e estudou conteúdos e técnicas, além de ter se submetido a prática supervisionada, até que pudesse atuar. Ainda assim, o psicólogo precisa estar inscrito em um conselho profissional que regulamenta e fiscaliza sua atuação para a proteção dos que procuram esse serviço e para contribuir à qualidade da formação do psicólogo. Essas condições são a base para o trabalho profissional, porém e por causa disso, outras características desta formação diferenciam um amigo/familiar do psicólogo. Por exemplo, aspectos pessoais do terapeuta não podem interferir de maneira direta e sem técnica na condução de um caso, o que justifica a orientação para esses profissionais de , além do estudo, buscarem realizar terapia também. Esse fator também explica o porquê, tentar amenizar o sofrimento com alguém de seu âmbito pessoal, não é indicado. A interferência desses aspectos faz com que a pessoa se coloque no lugar de quem fala com suas próprias concepções, educação, traumas. Já o terapeuta, conduz seu trabalho, a partir do lugar que o paciente ocupa através de escuta ativa e técnicas que vão variar de acordo com a abordagem do psicólogo. O profissional, com sua formação, auxiliará o paciente a identificar os aspectos psíquicos envolvidos, compreender o seu caminho e seus recursos que são diferentes das do terapeuta e de outra pessoa.

Cláudia Corrêa
– Como os efeitos da pandemia nas diferentes áreas da nossa vida impactam a nossa saúde mental?

Desde o inicio da pandemia causada pelo novo coronavirus, estamos vivendo em estado de alerta, sendo necessários novos hábitos, com muitas mudanças em nossas rotinas. Subitamente precisamos nos afastar das pessoas, de nossas atividades laborativas e de lazer, era preciso “perder” com o distanciamento, para “ganhar” proteção contra uma possível infecção. Em pouco tempo de pandemia tivemos um importante apontamento da OMS quanto ao “risco global de uma crise de saúde mental”, isso em maio de 2020. Naquele momento o isolamento social era muito necessário e estávamos no auge desta crise de saúde, ainda nos adaptando a essas mudanças impostas nesse novo cenário.

No atual momento da pandemia no qual a ciência já nos esclarece e sinaliza com melhor clareza como devemos nos direcionar quanto ao cuidado com a manutenção e quanto ao enfrentamento da SARS- COVID- 19 precisamos aprender dia a dia e ajustar nossas mudanças internas na prática presente. Ainda é tudo muito novo, precisamos entender que estamos diante de um momento no qual precisamos ter metas como sempre tivemos, mas, precisamos readaptá-las. Como diz a música: “cada um de nós compõe a sua história, cada ser em si carrega o dom de ser capaz, ser feliz”.

– Como a pessoa pode cuidar de sua saúde mental neste cenário de pandemia?

Penso que a saúde mental não deveria estar associada a ser cuidada em um cenário pandêmico ou qualquer outro cenário especifico. Deveríamos ter essa preocupação de cuidar do corpo e da mente desde sempre, como uma única saída para um bem estar pleno. O nosso erro é pensarmos que podemos separar o cuidado mental do físico e quando nos pegamos em um momento como o que estamos vivendo parece que ficamos mais atentos ao que sentimos, precisamos e devemos cuidar. Ouvi vários relatos de pessoas dizendo que tão logo pudesse não deixaria mais de se privar de ver um amigo querido ou um familiar por tanto tempo ou de viajar, por exemplo, de ir ao cinema e etc. Esse foi um aprendizado que a pandemia nos mostrou: é preciso cuidar do tempo. Para cuidar da sua saúde mental reserve praticas aprazíveis, mas tenha disciplina, realize com regularidade e não em horas livres eventualmente. Escolha as que lhe faça bem, as que tenham sentido para você, como por exemplo: meditar, caminhar, cuidar de algo, praticar ações voluntarias e etc.

– Quais são os principais sinais de alerta de que a pessoa precisa de uma ajuda profissional?

Eu diria que o primeiro sinal de alerta para alguém saber se precisa de ajuda profissional é ter coragem para se conhecer. Quais os principais sinais de alerta que precisamos ir ao médico? Precisamos de um alerta? Na medicina sabemos que há inúmeras “doenças silenciosas” e por isso mesmo sugere-se que é preciso vez por outra ir ao médico para “olhar” se está tudo bem. Para nós psicólogos os sinais de alerta podem ser vários. Às vezes os sinais de alerta não são os clássicos que conhecemos e ouvimos, como: perder a vontade de fazer alguma coisa, dormir demais, uma tristeza que não passa, por exemplo, uma dor “inespecífica” pode ser também um sinal. Precisamos estar atentos além dos possíveis sinais que muitas vezes quando aparecem já estão bem crônicos, é fundamental observar as mudanças de comportamento e possíveis impactos na vida de uma pessoa às reações e acontecimentos vividos. Cabe ressaltar que cada um tem uma maneira de sentir, de responder a um determinado evento/ acontecimento e por isso nosso / analise ao que precisamos é fundamentalmente subjetivo.

“E a vida /E a vida o que é?/Diga lá, meu irmão/Ela é a batida de um coração/Ela é uma doce ilusão/Êh! Ôh! E a vida
Ela é maravilha ou é sofrimento?/Ela é alegria ou lamento?/O que é? O que é? Meu irmão” – Gonzaguinha